No início foi como se o mundo ao meu redor tivesse ficado
suspenso, não por algumas horas, mas por alguns dias. As pessoas, os gestos, os
olhares, a melodia do dia a dia, o andamento da vida de repente me pareceu sem
lógica, meio atemporal, sem viço. No início só havia a negação em mim e eu
repetia quase como mantra que aquilo não estava acontecendo comigo. Como
estaria acontecendo? Aquela história não caberia numa gaveta qualquer, junto
com fotos de sorrisos soltos, contentes, ainda quentes, abraços apertados, lábios
e olhos que se prometiam o tempo todo, palavras que um dia saíram do sentimento
mais incrível do mundo. Como eu poderia abrir mão daquela outra mão que me fora
tão próxima, tão quente, tão firme em minhas mãos, meus braços, minhas costas,
minha nuca?
Passado a anestesia característica de alguns fins, o medo
do minuto seguinte parecia me atingir a todo o momento. Palavras, gestos,
olhares, tudo, absolutamente tudo me invadia, me bebia por dentro, me sugando e
me enriquecendo ao mesmo tempo. Eu sentia medo, pela primeira vez, de não
conseguir mais enxergar a poesia das coisas, de não conseguir mais ser leveza,
de não conseguir mais ser afetuosa e deixar que esse cuidado me fosse ofertado.
Mas ocorreu-me a dúvida: será que algum dia eu fui leveza? Será que a leveza
com a qual eu lidava não estava mascarada, fatigada, inventada? Vasculhei na
memória e não consigo me recordar há quanto tempo eu não me sentia assim, tão
desabitada de gente, de neurose amorosa. Nos últimos anos sempre dividi alegria
e solidão com alguém – tentando carregar as minhas e as do outro, sempre.
O passo foi desacelerando, não sinto mais tanta
necessidade de ser amada nem de ter alguém para amar. Às vezes o peito se
espreme com algumas lembranças, mas logo a vida pinta cheia de vias a serem
descobertas, com novidades esperando para serem encontradas e terras esperando para serem apreciadas, exploradas; então essas lembranças passam a habitar um lugar tranquilo dentro do peito, como forma de me lembrar que o amor precisa desse espaço cicatrizado dentro da gente. Tenho me esvaziado
constantemente dos entulhos emocionais para receber a minha parte que esteve
sempre nos outros, sedenta por afeto. Não
há ninguém que possa suprir as minhas lacunas. Algumas lacunas já nasceram
comigo e elas não precisam ser supridas, elas precisam apenas ser
compreendidas, cuidadas, redecoradas. E não há outra pessoa além de mim que
possa fazê-lo.
Aos poucos e com o passar dos dias, eu vou me
vendo com a calma grudada na garganta e nos gestos. Percebo o olhar mais firme,
menos vacilante e mais tranquilo, e sinto os pés ganhando um equilíbrio enorme
na fé. Eu precisei primeiro me acolher, me abraçar, me perdoar e pegar minha
fragilidade no colo, sem me negligenciar ou me penalizar. E eu me
descubro confortável em minha própria companhia, interessada em ouvir minha
própria história e com uma lucidez enorme sobre viver.
E sobre o medo de não mais conseguir enxergar a poesia: não há dor que, quando trabalhada, não
vire poesia...
“O vazio não é um abandono de si, é um reconhecimento do eu, um convite para o Outro, algo que deve ser preenchido temporariamente, dentro do mesmo movimento humano de acordar sempre um desconhecido. O vazio é uma curiosidade que ainda não foi desvendada. É ter braços livres para o abraço que acabará daqui a pouco, mas que ecoará constantemente na lembrança mais bonita. Porque no toque intenso, o afeto estava leve.” [Marla de Queiroz]
"Eu precisei primeiro me acolher, me abraçar, me perdoar e pegar minha fragilidade no colo, sem me negligenciar ou me penalizar. "
ResponderExcluirEu fiz tudo isso já a diferença é que ainda sinto falta do que não me pertence ou nunca pertenceu e sofri grandes perdas por isso já.
Mas acho que não tem nada melhor que um dia apos o outro.
Amei o texto!
Beijos