segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Sobre o fim que culminou em transcendência


No início foi como se o mundo ao meu redor tivesse ficado suspenso, não por algumas horas, mas por alguns dias. As pessoas, os gestos, os olhares, a melodia do dia a dia, o andamento da vida de repente me pareceu sem lógica, meio atemporal, sem viço. No início só havia a negação em mim e eu repetia quase como mantra que aquilo não estava acontecendo comigo. Como estaria acontecendo? Aquela história não caberia numa gaveta qualquer, junto com fotos de sorrisos soltos, contentes, ainda quentes, abraços apertados, lábios e olhos que se prometiam o tempo todo, palavras que um dia saíram do sentimento mais incrível do mundo. Como eu poderia abrir mão daquela outra mão que me fora tão próxima, tão quente, tão firme em minhas mãos, meus braços, minhas costas, minha nuca?
Passado a anestesia característica de alguns fins, o medo do minuto seguinte parecia me atingir a todo o momento. Palavras, gestos, olhares, tudo, absolutamente tudo me invadia, me bebia por dentro, me sugando e me enriquecendo ao mesmo tempo. Eu sentia medo, pela primeira vez, de não conseguir mais enxergar a poesia das coisas, de não conseguir mais ser leveza, de não conseguir mais ser afetuosa e deixar que esse cuidado me fosse ofertado. Mas ocorreu-me a dúvida: será que algum dia eu fui leveza? Será que a leveza com a qual eu lidava não estava mascarada, fatigada, inventada? Vasculhei na memória e não consigo me recordar há quanto tempo eu não me sentia assim, tão desabitada de gente, de neurose amorosa. Nos últimos anos sempre dividi alegria e solidão com alguém – tentando carregar as minhas e as do outro, sempre.
O passo foi desacelerando, não sinto mais tanta necessidade de ser amada nem de ter alguém para amar. Às vezes o peito se espreme com algumas lembranças, mas logo a vida pinta cheia de vias a serem descobertas, com novidades esperando para serem encontradas e terras esperando para serem apreciadas, exploradas; então essas lembranças passam a habitar um lugar tranquilo dentro do peito, como forma de me lembrar que o amor precisa desse espaço cicatrizado dentro da gente. Tenho me esvaziado constantemente dos entulhos emocionais para receber a minha parte que esteve sempre nos outros, sedenta por afeto.  Não há ninguém que possa suprir as minhas lacunas. Algumas lacunas já nasceram comigo e elas não precisam ser supridas, elas precisam apenas ser compreendidas, cuidadas, redecoradas. E não há outra pessoa além de mim que possa fazê-lo.
Aos poucos e com o passar dos dias, eu vou me vendo com a calma grudada na garganta e nos gestos. Percebo o olhar mais firme, menos vacilante e mais tranquilo, e sinto os pés ganhando um equilíbrio enorme na fé. Eu precisei primeiro me acolher, me abraçar, me perdoar e pegar minha fragilidade no colo, sem me negligenciar ou me penalizar. E eu me descubro confortável em minha própria companhia, interessada em ouvir minha própria história e com uma lucidez enorme sobre viver. 


E sobre o medo de não mais conseguir enxergar a poesia: não há dor que, quando trabalhada, não vire poesia...

O vazio não é um abandono de si, é um reconhecimento do eu, um convite para o Outro, algo que deve ser preenchido temporariamente, dentro do mesmo movimento humano de acordar sempre um desconhecido. O vazio é uma curiosidade que ainda não foi desvendada. É ter braços livres para o abraço que acabará daqui a pouco, mas que ecoará constantemente na lembrança mais bonita. Porque no toque intenso, o afeto estava leve.” [Marla de Queiroz]

Um comentário:

  1. "Eu precisei primeiro me acolher, me abraçar, me perdoar e pegar minha fragilidade no colo, sem me negligenciar ou me penalizar. "

    Eu fiz tudo isso já a diferença é que ainda sinto falta do que não me pertence ou nunca pertenceu e sofri grandes perdas por isso já.
    Mas acho que não tem nada melhor que um dia apos o outro.

    Amei o texto!

    Beijos

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