domingo, 24 de julho de 2011

"O saldo é meio amargo"

No seu ofício de ser, sentia-se impotente, machucada e murcha. Era como se fosse a morte prematura de um membro que lhe era essencial. Ao mesmo tempo que tentava ser voraz e ativa, faltava-lhe a vitalidade. Os olhos eram sem vida, as mãos, a fala e os movimentos já não eram tão ágeis e às vezes perdia-se no meio de uma frase que pensara segundos antes. As mãos entraram numa geladura permanente, rígidas e com linhas bem definidas. Mas, os efeitos externos eram muito menores comparados às lesões interiores. Essas sim incomodavam, ganhavam vida própria, falavam, faziam e aconteciam. Inúmeras foram as vezes que tentou fugir de si mesma, abandonar-se e não sentir. Mas, ela sabia bem que fugir não tinha nada a ver com não sentir.

Levantava-se todo dia com gosto amargo de quem dormia para esquecer. Pedia a Deus para poupar-lhe os pesadelos e conceder-lhe sonhos bonitos como aqueles que via nas fotos. Fazia café forte e matava um pouquinho da dor na saliva. Ganhava abraços afetuosos e desfragmentava-se na compaixão. Os movimentos de lábios eram lentos e sorria miúdo. Prendia o choro e entrava numa espécie de let it be.

12 comentários:

  1. Esta foi uma parte muito viva para mim do seu post: «as, os efeitos externos eram muito menores comparados as lesões interiores. Essas sim incomodavam, ganhavam vida própria, falavam, faziam e aconteciam.» Tudo o que fica internalizado de uma tal forma que desperta uma depressão, um sofrimento interior, parece ganhar autonomia. É um verdadeiro suplício. Gostei da forma como usaste as palavras para se referir a este fato.

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  2. Eu tenho a impressão de que se um dia aprender a prender o choro, serei uma mulher mais forte.

    Não sei, só desconfio.

    Um beijo.

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  3. Um tanto forte o seu texto, ótimo.

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  4. Muito interessante seu texto," Os movimentos de lábios eram lentos e sorria miúdo.Prendia o choro...".Bonita a maneira que descreveu as dores internas que tentam ser disfarçadas,mas que nem sempre com bom êxito.
    Beijos querida, parabéns pelo blog e obrigado por visitar o meu.

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  5. e quantas vezes todos não estamos assim? como vc descreve o personagem do teu texto?

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  6. As vezes é necessário "deixar estar"...
    Lindo, amor.

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  7. Nara Sales
    : Teu sobrenome é intensidade!

    Fraterno Abraço!
    Beijo terno!

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  8. Quando a gente esconde a dor. Ela fica querendo aparecer toda hora por entre as paredes dos nossos olhos. As cortinas da alma se agarram facilmente na projeção de uma lágrima. A gente esquece do mundo quando quer somente sentir.

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  9. "fugir não tinha nada a ver com não sentir."

    infelizmente :\

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  10. Nossa! Eu sou admiradora do "let it be" já pensei em tatuar e tudo... rs E já escrevi também um texto cuja personagem fazia uso de tal expressão... E bom, o seu é perfeitamente o que eu queria dizer, mas nunca soube de alguma maneira "legível".

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  11. "Inúmeras foram as vezes que tentou fugir de si mesma, abandonar-se..."

    Conseguiste descrever aquilo que faz dias que estou tentando escrever.
    Com licença dis direitos autorais, estou indo escrever esse na minha agenda.

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