No início deixei que minha mente vagasse o quanto quisesse, vasculhasse na memória os momentos bons e também os ruins. Deixei que ela vivesse e morresse naquilo tudo que já havia sido escrito e vivido. Depois, deixei que o coração tomasse partido e que se partisse também. É do partir que se faz o inteiro. Depois de muito sentir, deixei que o coração descansasse, batendo num ritmo mais tranquilo e vivo. E então foi a vez do corpo sentir falta. Foi a vez da pele querer, fazer e acontecer. Tomei banho demorado, fiz massagem em mim mesma e sacudi os fragmentos de passado que ainda residiam em mim.
Deixei que os dias passassem e que eu inteira experimentasse o que era novo. E realmente tem sido novo. A casa pode ser a mesma, as roupas e o perfume também; mas o meu olhar sobre todas essas coisas é novo. Sobretudo o meu olhar sobre mim mesma.
Tentei adiar o quarto. Era lá que o mais palpável residia. Me pareceu tão escuro e perturbador que tive que mudar a lâmpada de lugar. Hesitei, pois faxinar o quarto e remexer nas gavetas é abrir o baú das recordações. Respirei fundo, coloquei minhas músicas mais calmas e adentrei naquilo que era tão meu mas que já me era desconhecido.
As cartas -ah, as cartas-, tão vivas, tão sentimentais e emocionais, e ainda há aquelas que não foram nem mesmo entregues. Os bilhetes, os textos começados e jamais terminados, a flor grudada na parte de dentro do guarda-roupas, as fotos que não foram postas nos porta-retratos, os sorrisos e as lágrimas que eu ainda pude ouvir escondidos nos cantinhos de todas essas coisas. Algumas dessas miniaturas de passado eu guardei, umas na memória -para serem lembradas num dia de sol que há de vir e também quando chover, porque a chuva também há de aparecer- e outras em caixas. O restante foi para onde deveriam ir de fato. Com o tempo eu também aprendi o valor do desapego.
Ao final do processo permiti que minha mente vagasse mais uma vez e mais demoradamente sobre todas as coisas. De tudo, ficou o essencial. Num primeiro momento eu permito que o passado fique em caixas. Depois, quem sabe...
Há momentos em que é absurdamente necessário fazer uma faxina em nossa vida, em nós e muitas vezes isso machuca, faz lágrimas cairem, mas precisamos nos livrar daquilo que nos impede de chegar até a felicidade. Boa sorte com as constantes mudanças que estão por vir.
ResponderExcluirComo sempre, texto incrível (:
Beijos
Muito bom teu texto
ResponderExcluirÉ interessante, o fato de eu ter publicado ainda a pouco um texto, no qual falo da experiência de me permitir viver coisas novas, assim como você.
ResponderExcluirBeijos
Ótimo texto.
"Amadurecer é exercício diário e não vem do nada. Requer tempo e paciência."
ResponderExcluirFaxinar a alma de vez em quando nos deixa mas leve.
Você sempre me emocionando♥
por que guardamos coisas que no fazem sofrer?
ResponderExcluirli duas vezes. comecei a lagrimar na metade da primeira, e na segunda já estava com o rosto todo molhado. é porque eu to passando por algo realmente complicado, e to me sentindo quebrada em pedacinhos bem pequenos. quase pó. e é difícil se reconstruir, acredito que saibas... enfim, teu texto realmente me tocou de um jeito bem intenso. lindo o que você escreveu, e lindo todo o teu crescimento também.
ResponderExcluirbeijo grande.
lindo porque é real.
ResponderExcluirLindo porque é real +1.
ResponderExcluirTexto puro, lindo, real. Gostei muito, e acho que preciso de uma faxina em mim, de dentro pra fora como você bem colocou!
ResponderExcluirLindo blog, parabéns! :)
(seguindo)
Palavras essencialmente fantásticas! Talento e sensibilidade à flor da pele nesse jardim de emoções chamado Horto do viver!
ResponderExcluirFraterno Abraço!
Lindo texto!!
ResponderExcluirAmei, de verdade.
Já quis muito pegar todo o passado guardar em caixas e enterrar bem longe e bem fundo. Já até agi assim;
Mas é ilusão... só depois vi que era em vão jogar tudo fora e deixar o que importa.
Hoje faço exatamente o contrário. Guardo um cantinho pra cada mágoa, cada felicidade e dou a mesma importância pra tudo o que me fez crescer. De um jeito, ou de outro.
As vezes é preciso se exilar assim. E amadurecer todo o "eu". E recolher as melhores memórias. Lindo esse texto. Um beijo grande, Ana.
ResponderExcluirFaxinas são sempre necessárias em nossas vidas a partir do momento em que tem algo incomodando. As vezes é difícil mas quando terminamos o resultado é gratificante, nos sentimos mais leves e maduras.
ResponderExcluirBeijos
Me identifiquei totalmente com seu texto. Estou passando por essa fase. Uma grande parte já foi. Agora falta outra, que talvez seja ainda maior. Mas irei. Sempre. Em frente.
ResponderExcluirVarrer cantos, recolher cacos e bugigangas, destroços e amontoados, limpar pós e teias de aranha, ô coisa pra dar trabalho , né. Incomodar, fazer calos. Mas é tão necessário.
ResponderExcluirÉ quase vital a necessidade de enfrentar o caos dos próprios cômodos, colocar muros abaixo, fecundar os terrenos baldios com as lágrimas que chovem do rosto e com a labuta da alma. Coisa de gente que vive demais. Sente demais. Assim, como você, Nara. Assim como a coragem e a verdade que se revela nas tuas vírgulas e pontos. E na tua poesia, em prosa.
Amo o que você escreve. Sempre.
E a gente pega as caixas e as despacha, assim quem sabe doam menos. Adorei Nara!
ResponderExcluirBeijos!!
É que a gente tem mania de guardar tudo o que nos é importante, seja bom ou ruim, apenas guardamos e nos deixamos colecionar o que pode ser totalmente descartável, percebemos a bagunça que insiste em nos adentrar e se acumular pelos cantos de nós, e fingimos não ver, adiamos a faxina pra depois, pra um depois que parece nunca chegar, e é dessas que precisamos.
ResponderExcluirNara, tudo lindo demais, como sempre. :3
Texto bem reflexivo, gostei muito das linhas abordadas em suas palavras, bem rico em detalhes.
ResponderExcluirGrande abraço e sucesso!
E aqui também, eu digo-lhe algo no mesmo sabor que num comentário que fiz hoje: eu fico admirado com a decisão que toma com o que acontece com você. A lucidez e o discernimento com que consegue viver sabiamente um sofrimento para depois renascer mais facilmente. Eis este trecho:
ResponderExcluir«Deixei que os dias passassem e que eu inteira experimentasse o que era novo. E realmente tem sido novo. A casa pode ser a mesma, as roupas e o perfume também; mas o meu olhar sobre todas essas coisas é novo. Sobretudo o meu olhar sobre mim mesma.»
Eu teria muito o que dizer, mas me faltam as palavras acertadas, que os meus silêncios contemplativos preencham o espaço que faltou no dizível deste comentário...